quarta-feira, 12 de junho de 2013

O abutre das lentes

Kevin Carter foi um fotojornalista sul-africano, nascido em 13 de julho de 1960. Viveu na África do Sul durante o período do Apartheid (regime separatista racial que começou em 1948 e perdurou até 1994).


Começou a trabalhar como fotojornalista esportivo em 1983, nos fins de semana.  Em 1984, trabalhando no jornal Johannesburg Star, empenhou-se em denunciar as atrocidades do Apartheid. A primeira monstruosidade presenciada e fotografada por Kevin Carter foi uma execução necklacing, que consistia em colocar um pneu encharcado de gasolina em um negro (na altura do peito e dos braços) e atear fogo. A vítima era uma mulher chamada Maki Skosana, que foi acusada de manter um relacionamento com um militar. Sobre esse triste episódio, Kevin Carter disse:

"Fiquei chocado com o que eles estavam fazendo, eu estava chocado com o que eu estava fazendo, mas, em seguida, as pessoas começaram a falar sobre as fotos... então eu senti que talvez minhas ações não tivessem sido de todo ruins. Ser testemunha de algo tão horrível não era necessariamente uma coisa ruim a se fazer".

O fato que marcaria para sempre a vida de Kevin aconteceria em 1993. Nesse ano, ele e mais três fotógrafos, conhecidos como “Clube do Bang-Bang” (por fazerem cobertura fotojornalística em situações violentas) foram até o Sudão, para registrarem a guerra civil que assolava o país (que só acabaria em 2005). Perto de um campo de refugiados da ONU, ele viu uma criança, extremamente desnutrida, sendo observada por um abutre. Kevin retratou a cena, e essa foto chocante percorreu o mundo inteiro, dando a ele o Prêmio Pulitzer daquele ano. Era para ser a consagração definitiva do trabalho de Kevin Carter, não fosse a seguinte pergunta: o que você fez depois da foto?



Kevin respondeu “nada”, e pegou sua camera e foi embora. A repercussão dessa declaração foi totalmente negativa para ele, e o jornal americano St. Petersburg Times o comparou ao abutre que observava a criança:

“O homem ajustando suas lentes para capturar o enquadramento exato daquele sofrimento poderia muito bem ser um predador; um outro abutre na cena.”

Depois disso, Kevin Carter entrou numa depressão profunda. Ele disse, em uma carta póstuma, que era atormentado por imagens de violência e de crianças famintas, além da crise financeira que vivia naquele momento. No dia 27 de julho de 1994, em Joanesburgo, cometeu suicídio, colocando uma mangueira no escapamento de sua caminhonete e a outra extremidade dela na janela ao lado do passageiro, e foi intoxicado. Na carta deixada, ele disse:

Estou deprimido... sem telefone... dinheiro para o aluguel... dinheiro para sustentar as crianças... dinheiro para dívidas... dinheiro!... Estou assombrado pelas vívidas memórias de mortes e cadáveres e raiva e dor... de morrer de fome ou de crianças feridas, de loucos com dedos no gatilho, muitas vezes policiais, carrascos assassinos... eu tinha que ter ido junto com Ken (Ken Oosterbroek, seu colega fotógrafo que havia falecido há pouco tempo) se eu tivesse a mesma sorte.”

Porém, a criança daquela foto marcante sobreviveu. Em 2011, o jornal espanhol “El Mundo” resolveu investigar e constatou que o menino, cujo nome era Kong Nyong, havia sido atendido pela equipe de ajuda humanitária da ONU, quando Kevin Carter tirou a foto. No braço do menino, visível na foto, existe uma pulseira branca, que comprova o fato. Kong veio a falecer em 2006, decorrente de uma infecção.

Será que Kevin Carter realmente foi um “abutre com lentes”, usando o sofrimento alheio para tentar se promover, ou foi um homem que pensou em mudar o mundo, usando a máquina fotográfica como arma para denunciar as injustiças? Uma questão polêmica e complexa, que depende apenas de um entendimento: do SEU!


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